Retábulo do Altar-mor da Igreja do Espirito Santo, Évora

Altar-Mor da Igreja do Espirito Santo

Alguns passos da investigação e a informação que contribuíram para a interpretação
e proposta de reconstrução do Altar

Ponto1

Os documentos históricos fazem referência à existência de 2 pinturas no altar, ao contrário do que se pode ver actualmente, em que o nicho central do corpo central se estende até ao ático. Neste espaço encaixa uma pintura que se encontra na primeira sacristia.

Transcrição do excerto:

"[...] Neste painel estão pintados todos o q(ue) no cenáculo receberam o divino Espí/rito, e com as suas linguas de fogo sobre as cabeças. Mas o mesmo Espírito na figura da sua pombinha, está mais acima em outro painel, e não quadro, porq(ue) he re/dondo; vinha descendo com suas divinas influencias, sobre a Snra e apóstolos, e aos mais / q(ue) em Jerusalem /[...]"
[in: FIALHO, [17..?], Tomo3, f.233]
Ponto2

A - Junto ao entablamento do corpo superior e o camarim foi encontrado uma parte de um elemento decorativo em talha dourada.

B - Proposta de reconstrução para a zona central do ático. O elemento encontrado, possivelmente, faz parte de um "sol decorativo" com alternância de raios ondulados e rectos. Este motivo repete-se em vários locais da igreja, e documentos históricos referem que as esculturas teriam coroas com este tipo de decoração mas em prata.

"Fizeram-se coroas de prata de forma circular, com raios lisos e torsos, para as imagens da capela-mor." [MARTINS, 1994, p.268]
Ponto3

No entablamento superior existe uma zona em cada lado do nicho central sem decoração com folha de ouro. Os retábulos eram dourados no local, muitas vezes passados vários anos da sua montagem. Por isso, uma zona sem douramento é normalmente indicativa de perda de elementos decorativos. A forma da zona de lacuna sugere que naquele local existiria um elemento decorativo repetindo o globo à direita.

Ponto4

Embora não seja perceptível à distância, o retábulo tem muitas zonas decoradas com aplicação de cor sobre a folha de ouro. A imagem A mostra que, embora muito deteriorada, a coluna era decorada com cor vermelha e verde, usadas alternadamente como fundo aos relevos da decoração em espiral da zona inferior. A imagem B foi obtida por microscopia ótica e mostra a estratigrafias das camadas decorativas da talha: 1 - camada de preparação, aplicada sobre a madeira; 2 - bólus, uma camada argilosa que depois de aplicada era polida e era a base para a aplicação da folha de ouro; 3 - folha de ouro; 4 - camada cromática a têmpera.

Ponto5

Imagem obtida com microscópio digital portátil de uma zona da capa de Cristo, na porta do Sacrário. Nesta imagem podemos ver um detalhe da riqueza decorativa da técnica de estofado. Esta é uma técnica que resulta da aplicação de cor sobre a folha de ouro que depois de seca é removida com a ponta de um estilete de forma a reproduzir motivos decorativos, normalmente vegetalistas ou geométricos.

Ponto6

Espectros de Raman e localização de amostragem de uma amostra azul da cartela de São Francisco Xavier (1) e de uma amostra dourada do interior do nicho (2). A análise foi realizada com laser de 785nm de 26mW com filtros a 10% (1) e 25% (2), a identificação é realizada por comparação com espetros de referência. O espetro obtido em 1 verifica a presença do pigmento azul, azurite (Cu3(CO3)2(OH)2). Em 2, os espetros mostram para as camadas preparatórias picos a 1018 cm-1, que corresponde a anidrite (CaSO4) - Gesso.

Ponto7

A - Detalhe do nicho inferior esquerdo do retábulo.
B - Proposta de reconstrução histórica para a mesma zona.

No retábulo da Igreja do Espírito Santo já não sobrevive a escultura original. Após a expulsão da Companhia de Jesus de Portugal em 1759, a igreja esteva na posse dos frades da Ordem Terceira de São Francisco. Provavelmente, nesta época as esculturas do corpo inferior do altar foram trocadas pelas esculturas que se vêem actualmente, de S. Domingos à esquerda e S. Francisco de Assis à direita.
A inscrição da cartela sob o nicho identifica que a escultura original seria uma representação de Santo Inácio de Loyola: S IGNATIVS FVNDATOR SOCIETATIS IESV. As esculturas seriam idênticas, do ponto de vista iconográfico e estilístico, às do altar-mor da Igreja de São Roque em Lisboa, a onde pertence a escultura da imagem utilizada para a reconstrução.

Santo Ignacio de Loyola - Santa Casa da Misericórdia de Lisboa / Museu de São Roque: escultura com número de Inventário: Esc. 93 - Fotografia por: Júlio Marques.

Ponto8

A - Face parcialmente desprendida de um querubim, do interior do nicho central, do corpo inferior, localização da zona de amostragem;
B - Corte estratigráfico da amostra de carnação.

As diferentes imagens foram obtidas com as técnicas de microscopia ótica com radiação no visível (vis) e ultravioleta (UV) e microscopia electrónica de varrimento, acoplada com espectroscopia de raio-X, obtendo-se mapas elementares. Estes mapas indicam que as camadas preparatórias são constituídas, principalmente, de cálcio (Ca) e enxofre (S), sugerindo uma preparação de gesso. A camada vermelha está constituída principalmente por ferro (Fe), alumínio (Al) e silício (Si), que corresponde a uma camada argilosa, chamada de bolús. E a camada de carnação (cor de pele) é constituída por uma mistura de pigmentos brancos e vermelhos. Os mapas, para esta camada, mostram principalmente o chumbo (Pb) e o mercúrio (Hg), sugerindo a presença de pigmento branco de chumbo e vermelhão; pigmentos muito tóxicos mas de uso comum à época.

Ponto9

Espetro de Flourescência de raio-X (A) e localização do ponto de amostragem (B) na zona branca da veste do anjo sobre o sacrário.
A análise identificou os elementos cálcio (Ca), ferro (Fe), ouro (Au) e chumbo (Pb). O chumbo pode-se associar ao branco de chumbo que era, à época, o único pigmento branco disponível.
No entanto, os raio-X têm poder de penetração nas camadas decorativas assim, o espetro obtido apresenta adicionalmente outros elementos de diferentes camadas. O cálcio (Ca) pode ser associado à camada de preparação de gesso (CaSO4), que vai directamente aplicada sobre a madeira. O ferro (Fe), mais comummente se associa à camada de bolús vermelha que se aplica como base para aplicação da folha de ouro. Ouro (Au) este, que era aplicado antes da camada de cor.

Ponto10

Detalhe de fotogrametria 3D realizada na zona da cartela de São Francisco Xavier, que mostra o detalhe da face do querubim da esquerda. As imagens 3D obtidas puderam mostrar, sem sombra de dúvida, que este elemento foi adicionado posteriormente e não pertence ao retábulo original. A cara original do querubim, possivelmente, ter-se-á destacado e perdido com o tempo. A nova cara terá sido, por sua vez um reaproveitamento de outra talha, possivelmente de outro altar.